Sou pai de três filhos, e cada um a sua maneira me presenteia com seu universo pessoal único e encantador. Como pai, é um privilégio maravilhoso me relacionar com esses três carinhas tão especiais. Pietro é o mais novo, fruto de meu último casamento, tem 6 anos de idade, e é sobre ele que vou contar hoje.
Pietro adora desenhar, e é capaz de consumir uma resma de 500 folhas de papel em apenas uma semana! Seus traços são vigorosos e firmes, quase que atravessam a folha de papel, e ele representa as formas com uma impressionante habilidade para sua pouca idade, traçando linhas e formas muito bem desenvolvidas. Bem, eu imagino que você esteja pensando que trata-se do olhar generoso de um pai encantado com o próprio filho, mas não é bem isso, Pietro é diagnosticado com autismo leve, e um dos seus hiperfocos é exatamente o desenho, o que significa que ele treina essa habilidade com uma intensidade bastante incomum, investindo centenas de horas a mais do que qualquer outro menino dessa mesma idade, o que naturalmente desenvolve essa habilidade mais precocemente.
Essa semana ele desenhou um sonho, e foi um de seus desenhos mais criativos, pois não só desenhou ele mesmo dormindo como também a projeção do sonho dentro de um balãozinho, típico das antigas revistas em quadrinhos. Fiquei tão impressionado com o desenho que pedi que ele me desse, coisa que fez um pouco relutante rs
O desenho fica em frente ao meu computador e quando meus olhos passam por ele, sempre se detém um pouco, e quase que posso sentir os movimentos de suas pequenas mãozinhas traçando com pressa essas linhas tão enérgicas…
Como todo filho de pais separados, Pietro não dispõe mais da minha presença diária, como era quando morávamos todos juntos, mas parte dele fica especialmente presente todos os dias quando me sento para o trabalho no computador, e fica claro pra mim o quanto é importante termos lembretes diários do “porque” estamos trabalhando tanto.
Quando eu era adolescente, descobri que minha mãe guardava vários dos meus desenhos feitos quando criança, eles ficavam empilhados de baixo de suas roupas dobradas. Ela os escondia como um segredo, talvez tivesse medo que eu os jogasse fora se os descobrisse ali. Eram desenhos toscos e cheios de inocência e minha mente adolescente ficou super envergonhada de ver o quanto eu tinha sido ingênuo e sonhador. Havia desenhos de super-heróis com superpoderes bizarros, havia desenhos com declarações de amor a minha mãe, desenhos de fisiculturistas com proporções exageradas, e havia sobretudo o retrato do menino que um dia eu fui. De fato, tive vontade de jogá-los fora, e ocultar pra sempre toda aquela ingenuidade que o adolescente inseguro insiste em camuflar, mas não o fiz…ainda bem.
Hoje mais do que nunca entendo a motivação dos pais em guardar esses desenhos aparentemente sem valor de seus filhos, talvez de forma até inconsciente percebamos que há algo muito mais importante e valioso escondido ali, um registro que toca profundamente a nossa alma e anuncia uma possibilidade até então ignorada, a de voltar ao paraíso perdido do universo infantil, e de fazer uma visita àquela criança inocente e sonhadora que todos nós já fomos um dia.
Por aqui o desenho de Pietro segue na estante e contrasta fortemente com as gravuras e livros mais sérios de psicologia e teologia, e é nessas horas que percebo o quanto a decoração não pode ter regras muito rígidas, mas sim uma clara consciência de valores pessoais. E nesse contexto, as lembranças afetivas precisam ser resgatadas e cultivadas como se nossa vida dependesse disso, por que de fato depende.
Lindo! Minha mãe e minha avó guardaram os desenhos que eu fiz em criança, e fico muito feliz sempre que me lembro. Espero um dia poder fazer o mesmo por meus filhos para que tenham essas recordações lindas 🙂