Era uma quinta feira, por volta de três horas da tarde. Estava aflito com problemas que pareciam muito maiores do que eu achava que poderia resolver naquele momento, precisava de silêncio para colocar as ideias em ordem, e o único lugar silencioso que havia disponível era a igreja do convento, há um pouco mais de trezentos metros do meu escritório. Mesmo com minha fé menor que um grão de mostarda, parti para lá muito mais em busca de refúgio do que obter ajuda religiosa.
Passei pelo átrio e sentei-me no fim da igreja perto da porta, para o caso de alguém me importunar… olhei a minha volta e após um tempo, não sei dizer o quanto, o silêncio começou a me confortar. Os problemas saíram de cena e a minha atenção agora se voltava para a arquitetura da igreja… Como esse pé direito é alto! Essas luzes coloridas que transpassam os vitrais deslizam devagar pelas paredes… Como será esse lugar ao amanhecer?… Por fim a Via Sacra me sequestrou a atenção e comecei a segui-la circundando a nave, contemplando cada estação que adornava as paredes.
Havia poucas pessoas e algumas oravam o terço, outras acendiam velas para as imagens que representam os santos de devoção, havia um murmúrio baixo e constante, era o som da nossa humanidade em sofrimento. Me dei conta do benefício que é ter à disposição esse refúgio na cidade, e pelo visto não sou o único.
Ainda no interior da igreja, percebi algo interessante mais adiante, ao lado direito do presbitério; era uma imagem de São Miguel arcanjo empunhando uma espada e dominando sob seus pés um ser mitológico, algo parecido com o diabo… lembrei dos meus problemas…
Sentei-me novamente e fiquei pensando no quanto cada imagem daquela representava uma qualidade que eu poderia desenvolver ou emular em meu universo interior, não foi a toa que meus olhos se puseram em São Miguel Arcanjo, mas também havia muito mais a minha disposição, tratava-se de uma fartura de auxílios, onde eu poderia me nutrir desses símbolos que tinham o poder de me confortar e me indicar caminhos, imagens e mitos que convidam para o desenvolvimento das forças que precisamos cultivar; como por exemplo São Francisco para o amor universal e compaixão, São José para me servir de exemplo de pai abnegado e servidor de propósitos maiores, Santa Rita de Cássia com sua fé de transpor as causas impossíveis e o próprio Jesus, que se dispôs ao sacrifício de sua humanidade para se tornar Deus.
Lembrei-me de um tempo em que fiquei obcecado pela ideia de ser rico, e para isso recorri aos livros de Napoleon Hill. Os lia com a mesma devoção que um devoto lê a bíblia, e não só isso, também imprimi pôsteres e cópias das capas de seus livros para que eu pudesse os ver assim que acordasse. Hoje percebo o quanto havia de “religiosidade” nesse meu método de emular o ideal da riqueza. Era uma espécie de esforço maciço de levar através das imagens externas valores e qualidades pra minha realidade interna. Qualquer semelhança com uma atividade religiosa não é mera coincidência, a diferença é o Deus naquele momento era o dinheiro, e Napoleon Hill o santo que me ensinaria o caminho até ele…
Talvez tenha me faltado devoção, afinal eu não fiquei rico, mas ao menos descobri que não existe em mim um ímpeto tão abnegado para perseguir essa meta, mas que sobra energia para outras que me tocam mais profundamente, e aqui talvez resida a maior das riquezas, que é o autoconhecimento.
Toda essa reflexão nos aponta para uma questão muito pertinente, que é o potencial de utilizar a decoração como propaganda doméstica e agente transformador de energias. Tudo na decoração é simbólico, e pode lhe indicar uma direção que parte pro infinito… Vasos podem ser opulentos ou singelos, flores podem trazer perfume e doçura para os seus dias, cores podem lhe deixar alegre e a luz natural influência seus processos biológicos mais fundamentais. Se ousar manipular os elementos a sua volta com a intenção de construir valores e bem-estar para si, perceberá que não dependerá mais de boas ideias para compor os espaços, mas sim de uma clara visão do que sua realidade interna mais precisa. Com isso em mente, a casa torna-se um organismo vivo e de constante interação, um laboratório que acompanha seus processos internos os refletindo e os influenciando de volta, num dialogo constante de sua vida interior com esse invólucro que abriga sua vida.
Em relação ao que me levou até a igreja, como quase tudo que nos aflige, foi passageiro e hoje não tem o menor impacto sobre mim, mas se não fosse aquele refúgio silencioso que me abrigou no momento da dificuldade talvez eu não tivesse superado com tanta facilidade. No mais, sinto-me afortunado e sempre recorro a esse lugar para obter paz e conexão, mas fica a pergunta: Não seria bom se tivéssemos um refúgio como esse dentro de nossa própria casa?