Se você nasceu na década de 80, provavelmente se lembra do episódio em que Chaves e seus amigos entraram na casa de Dona Clotilde (a Bruxa do 71). A ambientação era bem peculiar, onde quase todos os estereótipos da bruxaria estavam presentes. O mais interessante é que todos nós, mesmo os que não assistiram a esse episódio, tem uma ideia bem aproximada do que seria uma casa de bruxa. Algo em torno de uma paleta escura, composta de roxo com preto e quem sabe alguns toques de laranja ou vermelho, e sim!, não pode faltar teias de aranha! E claro, muitos livros de feitiços… Quem sabe um gato preto deitado no sofá em frente a uma parede cheia de quadros sinistros, e talvez, de algum lugar, seja possível vislumbrar um caldeirão fumegante pronto para transformar nossa maçante realidade em mágica!
Tudo bem, pode ser que sua casa da bruxa não seja bem assim, talvez você pense em uma casa de madeira meio bucólica no meio da floresta, cercada de plantas secas e mal cuidadas, onde em seu interior habita uma senhora tranquila rodeada de potes de vidro com ervas e com ares de quem sabe das coisas… E você não estaria errado! Essa bruxa representa toda a sabedoria das sombras acumulada pela humanidade ao longo das eras, um valioso arquétipo de nosso inconsciente coletivo, que representa um tipo específico de conhecimento que a gente muitas vezes insiste em negar, e é por isso que as jogamos em fogueiras por séculos sem fim, pois para muitos, é melhor uma ignorância familiar do que um mergulho profundo no desconhecido.
Se não incorrermos no erro de ignorar a sabedoria das bruxas, veremos que a parte mais significativa dessa casa é o encontro simbólico da inocência infantil com a sabedoria ancestral de quem entendeu como manipular os elementos da vida através do caldeirão alquímico das experiências. Aqui, a linguagem simbólica é a mãe da vida criativa, e a história que contamos a nós mesmos o veio principal da nossa saúde psíquica. Do encontro com a bruxa ninguém passa imune, e o registro desse encontro fica evidente em nossas escolhas para o ambiente ao nosso redor, especialmente na fase madura da vida, onde já conseguimos reconhecer o significado dos encontros difíceis, e na melhor das hipóteses, aprendemos a nos recuperar, levantar e seguir em frente.
Estamos todos vivendo uma narrativa que contamos o tempo todo para nós mesmos, o início dessa jornada é marcado pelos tropeços da inocência, sabendo disso, sempre podemos aprender a contar histórias melhores com os contos de fadas e as grandes narrativas produzidas pela cultura. Lembre-se, toda casa é potencialmente o registro de uma história, que não raro começa com um casal feliz com sua recém-conquistada liberdade, e talvez por isso mesmo a decoração fique tão marcada por um positivismo ingênuo de quem ainda não vislumbra os obstáculos do caminho. Já a casa da bruxa parece relapsa internamente, mas talvez não seja bem isso, a verdade é que ela está focada em seus processos alquímicos de transformação, e tudo a sua volta apoia essa meta. Claro que o jovem casal não sabe disso, todo o futuro deles é colorido pelo romantismo do momento presente, e a falta de experiência faz com que vejam a casa da Bruxa como uma linda casa de biscoitos cheias de guloseimas por fora, pois eles não cumpriram a jornada para entenderem o que tem dentro.
Após mais de 4 décadas vivendo sobre essa bola de pedra girando no nada, tendo realizado centenas de projetos de interiores, e ter desmontado e recriado alguns lares para abrigar novas experiências pessoais, descobri que o mais importante não são os objetos ou qualquer componente do projeto em si, mas o quão simbólicos eles podem ser com base na ligação com nossa narrativa pessoal e momento da vida. E isso é tão pessoal e subjetivo que por vezes é difícil de compartilhar, mas que tentaremos com muita sinceridade nessa nova série de posts que chamamos de “A Casa Arquetípica”.
Nessa série, exploraremos a intersecção dos símbolos dos elementos da decoração com a narrativa pessoal. A presença dos arquétipos e sua influência sobre nós, e quão religioso e sagrado podemos significar nossos espaços. Também veremos o que podemos fazer para fomentar o nosso crescimento através das escolhas conscientes, e para isso, utilizaremos nossa relativa experiência como designer de interiores, abarcando conceitos de psicologia analítica, neurociência e também os elementos da construção narrativa.
Acho que é isso. Definido o escopo, agora é trilhar o caminho! Assim como quase tudo na vida, não sabemos muito bem até onde isso pode nos levar, mas estamos empolgados com a grande clareira que se abre no horizonte, seguimos confiantes, venham com a gente!