Nesse artigo vamos sintetizar os conceitos fundamentais da casa arquetípica. Uma abordagem interativa de relação com a casa a partir do processo da individuação e sua correlação com a estrutura narrativa e a manifestação dos arquétipos.
É possível que muitos de vocês nunca tenham ouvido falar em individuação, estrutura narrativa ou arquétipos, então vamos começar explicando brevemente cada um deles.
O que é individuação?
Individuação é um conceito central na psicologia analítica que nos fornece uma metáfora para o processo de amadurecimento psicológico que acontece no meio da vida e que busca o máximo desenvolvimento da personalidade. Esse processo busca a totalidade na realização do Si-mesmo e geralmente se inicia a partir dos sofrimentos causados pelo fim das projeções e percepção das posições insatisfatórias que se apresentam no meio da vida.
A partir dessa percepção será possível iniciar um processo de integração dos conteúdos inconscientes para a integração do Self. A começar pelos aspectos menos desenvolvidos da personalidade, como qualidades negadas ou reprimidas, bem como reconhecer e integrar influências culturais, sociais e espirituais.
Após esse trabalho será possível se voltar para aspirações mais profundas e que não ganharam atenção e energia para florescer ao longo da vida, em um processo contínuo que pode resultar em maior consciência, criatividade e maior sensação de significado e realização na vida.
Por que utilizamos a estrutura narrativa?
A viagem e o caminho são símbolos mais antigos para o processo de individuação e temos na estrutura narrativa a analogia perfeita para as fases de amadurecimento psicológico e desenvolvimento da personalidade. Em cada fase de nosso mito pessoal nos será exigido um padrão de comportamento que pode ser expresso a partir de uma figura arquetípica, que por sua vez existe como potência no inconsciente até que algum evento engatilhe sua manifestação.
O que são os arquétipos?
Arquétipos são expressões simbólicas e imateriais que derivam da observação de que nos mitos e contos da literatura universal se encontram temas bem definidos que reaparecem sempre e por toda parte e de forma análoga em nossas vidas. Essas representações são herdadas de experiências típicas e fundamentais e tem o poder de influenciar o comportamento, a perspectiva e a representação de mundo das pessoas. O inocente, a sacerdotisa e o mago são algumas dessas representações, mas os arquétipos são inumeráveis e vão muito além de personificações humanas, podendo se estender a coisas e lugares.
Juntando as partes
A individuação pode ser explicada através de um percurso narrativo (mito pessoal) em que diferentes qualidades da personalidade serão desenvolvidas e simbolizadas pelos arquétipos ao longo do processo. Esses arquétipos se expressam na modulação do comportamento e no ambiente através de símbolos que em síntese constituem um vocabulário próprio e coerente do seu momento de vida. Vamos a um exemplo:
Frodo Bolseiro, o herói do senhor dos anéis, vivia na terra dos buques e era um típico inocente que no filme tem sua casa expressando claramente esse arquétipo. Ao longo da trilogia ele desenvolveu qualidades heroicas ao deixar sua casa se lançar na jornada que lhe traria inúmeros obstáculos e inimigos, mas também o necessário incremento da sua personalidade. No epilogo da obra somos informados que Frodo jamais retornara ao Condado, e é visto pela última vez indo para um lugar chamado Terras Imortais… Lugar que talvez abrigue mais dignamente a sua personalidade expandida.
Trazendo para nossas vidas, a conscientização do mito pessoal e suas etapas nos abre a possibilidade de expressarmos com clareza nossas necessidades afetivas criando ambientes capazes de nos representar adequadamente e se adaptar aos nossos movimentos internos e externos.
O que são símbolos?
Nesse contexto, os símbolos são a linguagem utilizada pelos arquétipos. Esses símbolos representam padrões universais de significado que transcendem as fronteiras culturais e individuais conectando-se diretamente à essência da experiência humana. Sabemos que a casa de Frodo é inocente mesmo que não saibamos como. Da mesma forma que podemos entender um idioma sem entender sua gramática.
O significado do símbolo é universal, mas a fluência e manejo desses símbolos requer um conhecimento dos fundamentos sintáticos do alfabetismo simbólico. Esse é um material que estamos desenvolvendo e será disponibilizado em breve.
Como tudo isso se une ao conceito de morar arquetípico?
O processo de composição visual do espaço é a parte mais desafiante de um projeto. Ao criar espaços para as atividades humanas precisamos entender as dinâmicas arquetípicas da personalidade e isso nos abre três possibilidades de aplicação desse conceito:
- Trazer consciência para o processo de amadurecimento psicológico e criar espaços condizentes a essa percepção: A casa é usada como ferramenta de autoconhecimento e autoexpressão.
- Se livrar de padrões regressivos criando alavancas para o progresso: A casa pode servir de meio para o desenvolvimento de qualidades.
- Ferramenta de projeto: Entender os fundamentos do vocabulário simbólico para o desenvolvimento de projetos mais coerentes tanto no âmbito pessoal quanto comercial.
Onde mais posso aplicar esse conceito?
O entendimento da linguagem simbólica dos arquétipos vem sendo utilizados há décadas no desenvolvimento de campanhas de marketing e na criação de personagens para o cinema e talvez um tanto inconsciente na criação de ambientes. Assim como podemos reconhecer traços da personalidade de uma pessoa a partir dos livros de sua estante, também podemos ter alguma ideia a respeito de sua personalidade a partir dos elementos que compõem o seu espaço.
A dialética da casa
Uma outra grande vantagem de adquirir proficiência na leitura simbólica dos arquétipos é ganhar a sensibilidade de detectar em quais lugares seremos bem-vindos ou teremos a experiência que almejamos. Alguns restaurantes selecionam a presença do seu publico emulando a opulência do arquétipo governante enquanto outros são mais convidativos para encontros românticos emulando o arquétipo do amante. Também é comum espaços descontraídos e transgressores criados a partir do arquétipo fora da lei e para cada um desses espaços teremos um tipo de experiência. O não entendimento básico dessa leitura arquetípica do ambiente pode gerar bastante frustração ao visitar novos lugares.
Para a maioria das pessoas a casa se forma a partir de gostos não conscientizados. Essa formação pode se dar a partir da assimilação passiva do que é definido pela moda ou a partir da manifestação genuína de preferências estéticas que expressam a realidade do seu mundo interior.
Trazer consciência para esse processo pode ser uma poderosa ferramenta de autoconhecimento, onde sua atenção diferenciará os elementos genuínos e os arbitrários, e isso não pode ser feito sem atenção e cuidado.
Tudo começa com o olhar honesto para cada espaço de sua casa indagando com a seguinte pergunta: Isso é genuinamente meu? Isso me representa? Isso me traz alegria ou contentamento? Esse pode ser o começo de um ciclo de transformação e de maior identificação com a casa a partir de pequenas e constantes modificações buscando a genuína autoexpressão. Se tudo der certo, o resultado será coerente com o arquétipo que melhor expressa seu processo de amadurecimento.
Criatividade, a singularidade da expressão arquetípica
Uma das possíveis criticas que esse sistema de projeto baseado em arquétipos pode suscitar é a de limitar a nossa criatividade, e nada poderia estar mais longe da verdade. Se voltarmos ao exemplo das histórias de heróis, perceberemos que mesmo que existam tantos, eles também diferem entre si no caráter e personalidade assim como nós, e que a definição simbólica característica do herói é só o começo de um longo processo criativo que se desdobra em cada ser humano.
Arquétipo apoiando arquétipo
Além da singularidade da manifestação arquetípica para cada ser humano num determinado momento de sua vida, precisamos também levar em conta que essa expressão simbólica raramente vem desacompanhada, e isso é motivo de arranjos criativos muito interessantes. Vejamos o último teste de personalidade que fiz, o arquétipo dominante era o sábio (50%), sob influência do inocente (25%) e do amante (25%). Achei o resultado muito coerente com o meu momento e inclusive na distribuição das porcentagens condizendo com o peso que atribuo para cada esfera da minha realidade interna.
Com isso em mãos podemos “temperar” o projeto com diferentes elementos e que satisfaçam proporcionalmente cada necessidade afetiva expressa pelo arquétipo. Ou até mesmo distribuir pela casa ambientes com diferentes finalidades e que abarquem essas expressões arquetípicas da sua personalidade. No meu caso, posso tentar misturar esses arquétipos em um único ambiente ou os separar enfatizando por exemplo o amante no quarto e o sábio no escritório. O inocente pode estar relacionado aos meus momentos de lazer ou nas experiências religiosas. São muitas as possibilidades e precisamos ficar atentos a essas aplicações.
Cuidado com a sombra
Pra finalizar gostaria de ressaltar mais uma vez o conceito de sombra. Todo arquétipo pode se expressar de maneira sombria, especialmente se não estivermos conscientes desse perigo.
É muito tênue a manifestação do arquétipo do sábio e a soberba que se expressa em dogmatismo que desliga a pessoa da realidade. Da mesma forma, no caso do inocente, uma excessiva ingenuidade pode se tornar negação ou criar padrões regressivos.
Conclusão
No post de hoje buscamos sintetizar os principais conceitos da Casa arquetípica e um pouco de suas aplicações no morar. Esse conteúdo resume esse momento de nossa pesquisa e a cada dia descobrimos novas formas e aplicações de enriquecer o projeto com essa valiosa ferramenta. Fiquem ligados porque muito em breve, traremos ainda mais novidades sobre o tema por aqui.
Até a próxima!